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sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Lançamentos - Priscilla Alcântara CD "Gente"

Quantas vezes você já ouviu artistas evangélicos dizerem que precisam alcançar pessoas não-cristãs por meio de sua música? A premissa é antiga. E desde que o movimento gospel despontou na década de 1990, é quase regra para qualquer nome pretensioso se arvorar como um intérprete de intenções legítimas. Exceto as bandas precursoras do novo movimento, como Aeroilis e Tanlan, que estruturaram não somente a uma estética mas também uma reflexão aprofundada sobre a arte feita pelos cristãos, a música é o assunto mais ignorado no debate. As letras, definitivamente, protagonizam. 

Priscilla Alcantara penetra o cenário evangélico com a mesma ideia de décadas dialogando com pequenos aspectos do novo movimento. Na canção Eles, a intérprete inicia uma espécie de oração a Deus sobre os motivos pelos quais sua música, segundo ela, apresentar o Criador pelo rótulo ao invés do conteúdo. E é verdade que o álbum Gente, lançado este mês pela Sony Music Brasil, tem um discurso muito mais acessível se comparado a maioria dos lançamentos evangélicos de 2018. No entanto, sua estrutura lírica está muito mais preocupada com outras questões. 

Ao invés de se debruçar na construção deste diálogo, a cantora prioriza questões fortemente emocionais. Desde Gente (De Zero a Dez) até o findar de Inteiro, Alcantara trabalha a ideia de que ser humano, em linhas gerais, envolve fraquezas e sentimentos, e a reconstrução do indivíduo pelo poder divino o torna em alguém resistente ao mundo externo (Tanto Faz). Fora as simplificações intencionais, o ideal pretensioso gera um álbum de temática comum. 

A produção musical de Johnny Essi, nome creditado a produções recentes de Mariana Valadão, Aline Barros e L-TON, é provavelmente o mais perto que alguém pode alcançar em termos de música pop no cenário evangélico. No álbum de Priscilla, sua devoção ao eletropop se mantém, seja em canções mais bem estruturadas, como a encorpada Me Refez ou até na espiritual Real que, fora de seu contexto, seria identificada como uma canção quase sexual. Mas quando falta elegância na direção musical, como em Tanto Faz e Liberdade, a intimidade proposta nos versos fica emaranhada a elementos eletrônicos plastificados. 

É fácil afirmar que se trata de um álbum mais esforçado comparado ao antecessor Até Sermos Um (2015). Empatia tem uma tentativa muito mais autêntica de reflexão que a maioria das canções de Priscilla presentes em outros discos. Mas será isso suficiente para ampliar "a minha comunicação", como dito por Priscilla em seu release? O disco caminha pela premissa abordar desafios vividos por cristãos de uma forma mais criativa e indireta. Mas o problema de alcance da música cristã a não cristãos não é uma questão de versos. Para isso tenho dois argumentos. 

O primeiro problema do não alcance da música cristã aos não-cristãos é, a princípio, uma questão de estética. Por mais que você possa negar, a grande maioria dos cantores cristãos da atualidade não estão à frente das chamadas "inovações" musicais do gênero. A própria música de Priscilla em canções como Solitude (e evoca, à base eletro, aquele típico rock de estádio) e Alegria (com seu lado latino) são incursões cuja música pop faz há certo tempo. Ou seja, a música evangélica, historicamente e com raríssimas exceções, tem sérias defasagens em termos musicais. 

O segundo, e mais importante, é que a música cristã não chega aos não cristãos por causa do mercado gospel. É a forma pelo qual foi constituído e será assim enquanto ele existir. Porque o mercado gospel surgiu para o consumo de músicas evangélicas para evangélicos. Porque o mercado gospel não está preocupado com as reflexões sobre a arte com influência do pensamento cristão. Todos os artistas com essa preocupação, aliados as técnicas e estratégias do chamado mercado gospel, fracassarão. Para que a música feita por cristãos realmente alcance quem seja o objetivo de alcançar, é preciso um novo meio musical evangélico cujas questões de mercado não sejam mais importantes que a própria arte. (Perdão pela avaliação pessimista, mas isso não vai acontecer, porque a música evangélica entraria em colapso sem mercado gospel.) 

Priscilla ainda é jovem, é o seu segundo trabalho de alta exposição, e sua obra ainda pode caminhar em direção a uma maturidade na reflexão acerca dos motivos os quais cristãos tem falhado, seja pela musicalidade, pelos versos, ou pela espiritualidade. Por isso, Gente é um álbum de premissas suficientemente corajosas de trazer temas relevantes em debate, mas não devolve a grande resposta que há décadas esperamos: A possibilidade de ser cristão e estar à frente quando o assunto é arte no Brasil. 

Faixas:
01 - Gente (De Zero a Dez)
02 - Florescer
03 - Empatia
04 - Solitude
05 - Sem Querer
06 - Me Refez
07 - Liberdade
08 - Alegria
09 - Eles
10 - Real
11 -Tanto Faz
12 - Inteiro

Fonte: Super Gospel

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